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Mar de Portugal: o regresso

Mar de Portugal: o regresso

Por uns anos na sua história plurissecular, Portugal pensou que se tinha afastado definitivamente da sua condição de país periférico europeu. Aconteceu com a sua adesão à União Europeia. Nela se tendo integrado como membro de pleno direito, admitiu, com ingenuidade, que, consequentemente e imediatamente, teria adquirido a centralidade europeia. Virou as costas aos oceanos que moldaram a sua história, favoreceram a sua gesta mundial e foram o seu ganha pão ou a fonte dele, tendo partido em busca de um outro ‘momentum’ nacional, em função do que construiu um caminho novo para Este, político e terrestre, que a livre circulação de pessoas, de capitais e de serviços lhe auspiciava. Com o dinheiro que recebeu dos Fundos europeus encheu o País de autoestradas. Sem que tenha tido a consciência disso, seguiu um antigo provérbio chinês: se queres ser rico constrói estradas. Porém, como rapidamente se veio a confirmar, a centralidade europeia não resulta do reconhecimento de um direito ao estatuto europeu, é uma materialidade geográfica e económica. Por isso, não depende da vontade humana nem de acordos políticos ou de tratados multilaterais, por bem negociados que sejam. Se o desenvolvimento tecnológico reduziu a nada o tempo decorrido entre a emissão de uma mensagem e a sua receção, proporcionou o conhecimento instantâneo de um ato ou facto longínquos, e garantiu a comunicação online. Tudo isso independentemente da distância geográfica entre o emissor e emissário, todavia não eliminou completamente a influência da geografia na capacidade e no desenvolvimento económicos de uma comunidade. Em economia, o ‘small is beautifull’ nunca foi uma verdade, nem da periferia alguma vez brotou riqueza que se visse.

Portugal foi e é um país periférico, de costas para a Europa, talhado no lado mais Atlântico de uma plataforma geográfica que reparte, desfavoravelmente, quer dizer em partes desiguais, com um outro país que é em superfície maior do que ele, economicamente mais forte, populacionalmente quatro vezes mais e internacionalmente mais importante. A Espanha que um dia julgou poder fazer parte do grupo de países com as economias mais desenvolvidas do Mundo, mas não conseguiu, apesar da ajuda política concedida pelos Estados Unidos como contrapartida do apoio dado por ela à estratégia militar internacional americana que as câmaras fotográficas testemunharam no verde-silêncio cenário açoriano. A crise económica acabaria com o sonho espanhol. Na Europa, nenhuma outra península é ocupada por dois países. Circunstância essa que gera uma singularidade e um constrangimento: para chegar ao resto da Europa, por terra, Portugal tem forçosamente de pedir licença ou negociar com Espanha, que vale seguramente mais do que ele em todos os domínios. Se não podes vencê-lo, junta-te a ele, e assim ia acontecendo. O Governo de Sócrates, no início, chegou a abraçar Espanha, definindo-a como a prioridade das prioridades para Portugal. Não foi um longo enlaço, porque depressa a realidade impôs-se, e Portugal teve, de novo, de percorrer ou atravessar o Atlântico e desembarcar, como tantas vezes aconteceu no passado, em Angola e no Brasil. Pôs para trás das costas as autoestradas que afinal não o ligavam ao centro da Europa, e o comboio de alta-velocidade que ninguém sabe exatamente para o que há de servir, pessoas ou coisas, ou porque terras passar, mas que, bem ao modo português, não nos sai do imaginário.

A retoma da relação de Portugal com o mar surge como uma necessidade premente, no dealbar da presente década. Que me lembro, o relatório “Hipercluster do Mar”, dirigido pelo Prof.. Ernâni Lopes, assumiu a natureza de impulso inicial, o qual Cavaco Silva, em abril de 2010, numa cerimónia na Assembleia da República, evocativa do 25 de Abril, procurou consolidar e ampliar. Daí para cá, sucederam-se conferências, seminários e eventos congéneres, campanhas sobre o valor do Mar e o modo de o aproveitar pelos portugueses. A valia do Mar excede em muito a sua grande utilidade no passado como o caminho entre continentes, um local privilegiado de pesca, tendo o seu domínio chegado a significar o domínio do próprio Mundo.

A importância do Mar estende-se hoje ao turismo de cruzeiros que regista uma taxa de crescimento de dois dígitos; ao setor portuário essencial para o comércio internacional, sendo certo que mais de 90% do comércio externo da UE usa o transporte marítimo; à aquicultura, atividade que no futuro satisfará a maior parte da procura de pescado para consumo; às energias renováveis, setor onde, segundo o Livro Verde da União Europeia sobre os Oceanos e os Mares, o Mar desempenha um papel essencial na competitividade, no desenvolvimento sustentável e na segurança do aproveitamento energético; à tecnologia, nos segmentos da exploração dos hidrocarbonetos no Mar, da investigação oceanográfica, dos robôs subaquáticos, das obras marítimas e da engenharia costeira; ao setor dos produtos transformados à base de peixe. E ainda, como sublinha o Livro Verde que tenho vindo a respigar neste parágrafo, o transporte marítimo e os portos são elos-chave das cadeias lógicas que ligam o mercado único europeu à economia do resto do Mundo. Aliás, a União Europeia é a primeira potência marítima mundial, no que respeita ao transporte marítimo, às técnicas de construção naval, à energia offshore, incluindo as renováveis. De acordo com estudos efetuados pelo Irish Marine Institute, citados pelo Livro Verde, os setores com maior potencial de crescimento são os dos cruzeiros, dos portos, da aquicultura, das energias renováveis, das telecomunicações submarinas e da biotecnologia marina. Um vasto manancial de oportunidades de negócios, de emprego e de crescimento económico.

É no descrito cenário de “economia marítima fluorescente”, de adoção de uma política marítima da União Europeia assente “na excelência da investigação científica, da tecnologia e da inovação marítimas” – objetivos estratégicos da Comissão Europeia – que Portugal prepara o seu regresso ao Mar. Como? Quando? Com que recursos? Com quem?

No passado domingo, o jornal Público dedicava várias páginas a uma matéria relacionada com o Mar e que intitulou “revolução portuária”. Abria o oportuno e interessante trabalho uma referência aos Açores que “querem fazer da Terceira a Singapura do Atlântico, um entreposto de transporte marítimo entre os dois lados do Atlântico”. Ainda, segundo o mesmo jornal, a ideia terá sido apresentada pelo Governo Regional aos Estados Unidos no âmbito das conversações que decorrem sobre a redução da presença militar americana na Base das Lajes, na ilha Terceira, e as suas consequências. Esta questão açoriana tem sido acompanhada por um organismo norte-americano Business Executives for National Security (BENS). O BENS é composto “400 patrióticos homens e mulheres de negócio que, quando são chamados, fazem tudo o que está ao seu alcance para introduzir as melhores práticas de negócio na missão do Departamento de Defesa e Segurança Nacional”, nas palavras do seu presidente, em 2010, numa receção ao Secretário de Estado da Defesa, Robert Gates, que ao BENS foi falar sobre a reforma do sistema de controlo das exportações americanas. O BENS é um organismo de consulta e não uma “pool” de investidores. Na ilha Terceira, os seus membros, mostraram-se mais preocupados com o património imobiliário desenvolvido ao longos dos anos pelos americanos naquela ilha. Disseram, a propósito e no local, o politicamente justo: a responsabilidade do desenvolvimento económico é de Portugal. Naturalmente que o BENS aconselhará o Departamento de Defesa (DOD) sobre o que fazer com o património americano a libertar, de acordo com as melhores práticas de negócio, gratuitamente, como salienta o seu presidente.

A Comissária Europeia, Maria Damanaki, que visitou os Açores e a Madeira, no início do corrente mês, sobre o projeto “hub portuário” disse vulgaridades europeias: “é uma grande ideia e um grande projeto que precisa de muito trabalho para a sua concretização (…) penso que é uma ideia interessante, pois os Açores têm muitas vantagens naturais tendo em conta a sua posição geográfica e também em termos de recursos”. Recordei, por uns momentos, as respostas dos jogadores de futebol e dos treinadores nas entrevistas rápidas passadas na TV depois de um jogo de futebol que perderam ou empataram. O que a Comissão Europeia, porventura, terá em cima da mesa de trabalho é algo de diferente: a Atlantic Gateway. Um “cluster” baseado na integração lógica de um conjunto de polos de crescimento, regionais, nacionais ou internacionais. Um projeto inglês assente no posicionamento estratégico das cidades de Liverpool e Manchester, no coração da Inglaterra, e nas suas ligações para locais intermédios via Manchester Ship Canal, apresentado no começo de março num Forum em Cork. Um projeto, de desenvolvimento regional, que exige um financiamento de 50 mil milhões de libras e promoverá cerca de 250 mil novos empregos e 140 mil indiretos.

Os Estados Unidos estão preocupados com o considerado património americano na ilha Terceira; a União Europeia com as “motorway softheseas” e Portugal com o continental Plano Estratégico de Transportes, onde o Porto da Praia da Vitória não tem lugar.

Por: Álvaro Dâmaso / 18 de Mar de 2013

Fonte: AçorianoOriental

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